GABRIEL NOVIS NEVES

Cuiabá de outros tempos

· 2 minutos de leitura
Cuiabá de outros tempos

O desabamento do hotel do Chico Jorge — que não era Francisco, e sim Artur — foi um dos fatos mais marcantes da minha vida.

Ficava no início da Avenida Presidente Vargas, no encontro com a Rua de Baixo —Galdino Pimentel.

Eu morava em uma casinha alugada do seo Américo de Barros, na pracinha que levava à subida do Morro da Luz. Lá ficava o gerador de energia da cidade, o que deu origem ao nome do morro.

Era cedo, mas já havíamos despertado. De repente, um barulho ensurdecedor ecoou da Praça da República.

Saí correndo para ver o que havia acontecido: o hotel do Chico Jorge havia desabado.

Foi a primeira catástrofe que presenciei. Eu tinha meus oito anos de idade.

A segunda foi o incêndio na igreja do Senhor dos Passos, na Rua de Baixo com a Voluntários da Pátria. Eu tinha catorze anos.

Em 1968 assisti à demolição da Catedral de duas torres — outra tragédia.

A enchente do rio Cuiabá em 1974, causou inúmeros desabrigados, alojados nas salas de aulas da UFMT e colégios. Os alunos perderam um semestre de aulas.

Entre 1953 e o final de 1964, morei no Rio de Janeiro, onde estudei Medicina.

Lá, presenciei grandes tragédias: o suicídio do presidente Getúlio Vargas e a revolução de março de 1964.

Cuiabá, naquela época, já era marcada pela violência. Assassinatos eram comuns.

Com a modernidade, os crimes passaram a ser comandados por facções criminosas.

As maiores tragédias, porém, passaram a ser ambientais. As vítimas? O Pantanal e a Floresta Amazônica.

Tragédias humanas são sempre indefensáveis. E vivemos esse terror.

A televisão nos mostra cenas jamais vistas, de uma barbárie incompreensível.

Algumas casas de saúde foram transformadas em centros contra a própria criatura humana.

E as tragédias estão por toda a parte —em cada rua, em cada esquina.

Temo pela vida dos meus descendentes, especialmente dos meus bisnetos.

Estes enfrentarão uma violência cada vez maior, alimentada pelas desigualdades sociais.

A classe média, que sempre serviu de equilíbrio nos conflitos, desapareceu. Sobrou apenas uma fina elite de ricos e uma massa de pobres e miseráveis.

Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado