Cuiabá é uma cidade de raízes católicas e celebra com fervor os seus santos.
Destaco uma em especial: a Festa do Senhor Divino, com missas de madrugada na Catedral, seguidas de procissão pelos bairros, acompanhadas por uma banda de música que anuncia a passagem aos moradores.
Na minha infância, eram apenas três dias de procissões, pela manhã e à tarde.
O objetivo era levar a Bandeira do Divino e a Coroa às casas, abençoando as famílias e arrecadando doações em dinheiro para as obras sociais da paróquia.
A primeira residência visitada era a do Governador do Estado. Ali, além da benção ao chefe do Executivo e seus secretários, era servido um lauto café da manhã.
Devotos carregavam sobre a cabeça águas límpidas da bica da Prainha, para os músicos, e socorriam fiéis que desmaiavam sob o nosso calor escaldante.
Os festeiros levavam a Bandeira do Divino, a Coroa, a bandeja de prata e as sacolas das doações.
Quando estas se enchiam, o tesoureiro da Catedral recolhia cuidadosamente numa maleta fechada a chave.
Recordo-me com nitidez que, no segundo dia da Esmola do Divino, meu pai fechava o bar à tarde. De terno, camisa de mangas compridas e gravata, percorria os bairros antigos de Cuiabá, empunhando a Bandeira do Divino.
Rua de Baixo, Beco do Candeeiro, Baú, Lixeira, Araés... todos recebiam com respeito a visita do Divino Espírito Santo.
Eu o acompanhava com entusiasmo, vestido de calção e camiseta, atento a cada detalhe.
Morei por muitos anos no bairro do Porto e, por ser parte do Segundo Distrito, nunca recebi ali a visita do Divino.
Hoje moro no bairro Popular. A cidade cresceu, os dias de esmolas se estenderam, e os moradores dos prédios recebem a visita no salão de recepção.
Por deferência especial, as madrinhas do Divino sobem até meu escritório, no vigésimo andar, onde sou abençoado com a Coroa e a Bandeira.
Deixo sempre minha contribuição à festeira-tesoureira.
Após essa breve e tocante visita espiritual, sinto-me leve, aliviado.
E espero que as bênçãos recebidas me concedam saúde até a próxima visita.
Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado
