A contratação temporária de profissionais para exercer funções públicas durante a vigência de concurso público com candidatos aprovados, inclusive classificados no cadastro de reserva, configura não apenas uma afronta aos dispositivos legais, mas uma verdadeira fraude à ordem constitucional.
Essa prática, infelizmente reiterada em diversas esferas da administração pública, compromete não apenas o Estado Democrático de Direito, mas também a qualidade dos serviços públicos, essenciais, prejudicando toda população, como os estudantes.
1. O confronto direto ao artigo 37 da Constituição Federal
O artigo 37 da Constituição Federal estabelece o concurso público como regra obrigatória para o ingresso em cargos e empregos públicos, além de exigir que os atos da administração se orientem pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
A substituição da nomeação de candidatos aprovados e classificados, mesmo atrás da cláusula de barreira, por contratações temporárias, viola frontalmente esses princípios.
Ainda que o inciso IX do art. 37 preveja a possibilidade de contratação por tempo determinado, tal exceção é restrita a hipóteses de comprovada necessidade temporária de excepcional interesse público.
2. Hipóteses legais de contratação temporária e seus limites
As contratações temporárias só são admissíveis nas seguintes situações:
Calamidade pública ou emergência comprovada;
Substituição de servidor efetivo afastado temporariamente;
Projetos ou programas com prazo determinado;
Atividades sazonais ou de demanda transitória;
Vacância inesperada de cargo essencial desde que não haja concurso vigente com cadastro de reserva homologado.
A respeito das exceções citadas acima, excepcionais e num rol existente, a existência de concurso público válido com candidatos aprovados e classificados em cadastro de reserva, mesmo havendo cláusula de barreira, impede a legalidade de qualquer contratação precária para a mesma função, sob pena de burla à regra constitucional.
3. A insistência dos gestores em burlar o concurso público
Em diversas administrações, verifica-se a opção deliberada por parte dos gestores em violar a obrigatoriedade do concurso público. Essa prática tem como motivação não o interesse coletivo, mas o interesse particular e político dos gestores, que preenchem milhares de vagas com contratos temporários ou cargos comissionados, muitas vezes para favorecimento de aliados e cabides eleitorais.
Tais atos configuram fraude à ordem jurídico-constitucional, configurando também ato de improbidade administrativa por violar os princípios da administração (Lei 8.429/92, art. 11).
4. O princípio republicano e a apropriação privada da coisa pública
O princípio republicano, previsto no artigo 1º da Constituição Federal, exige que o Estado seja gerido com base no interesse público, igualdade de acesso às funções estatais e responsabilização dos agentes políticos.
A preterição de concursados para contratação de temporários ou comissionados representa uma apropriação privada da estrutura estatal, configurando um retrocesso ao patrimonialismo.
Trata-se de uma prática que deslegitima o concurso como instrumento de igualdade e acesso ao serviço público por mérito, em flagrante ofensa ao ideal republicano.
5. A repercussão dessa conduta na educação pública
No caso da educação básica (ensino fundamental e médio), a nomeação de professores concursados, ao invés da contratação precária, é medida indispensável para a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem dos alunos.
Professores efetivos possuem:
Estabilidade e continuidade pedagógica;
Vínculo com a escola e a comunidade;
Compromisso institucional de longo prazo;
Maior qualificação profissional, resultado do concurso.
Em contraponto, contratos temporários são:
Marcados por alta rotatividade;
Desestimulantes do aperfeiçoamento docente;
Alheios ao projeto político-pedagógico da escola;
Muitas vezes preenchidos por critérios informais ou políticos.
A substituição da contratação precária pela nomeação de concursados é, portanto, um ato de justiça social, respeito ao Estado de Direito e compromisso com o direito fundamental à educação de qualidade (CF, art. 205 e 206).
Conclusão
A prática de contratar temporários, quando há concursados aguardando nomeação, não é apenas um erro administrativo: é um ato inconstitucional, imoral e antirrepublicano, que compromete a confiança pública e a eficiência do serviço estatal.
Urge que o Judiciário, o Ministério Público e os Tribunais de Contas combatam com firmeza essa prática, garantindo não apenas o respeito ao direito dos concursados, mas também a qualidade dos serviços prestados à sociedade, sobretudo na educação pública.
Paulo Lemos é especialista por duas vezes na Fundação Escola do Ministério Público do Mato Grosso e atua na área, aproximadamente, por 20 anos